EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA / EL BOLSÓN, ARGENTINA 2

27 de março de 2013
Guilherme e Hendrik brindando à vida, às margens do Lago Azul, Chile

Expedição Transpatagônia: Guilherme e Hendrik, brindando à vida com capuccino e rum, às margens do Lago Azul, Chile

Último roteiro de trekking da viagem… El Bolsón-Cochamó-El Bolsón por trilhas diferentes… Da Argentina para o Chile e de volta para a Argentina por dois passos internacionais exclusivos para pedestres… 143 quilômetros de caminhada por bosques, com muita lama, alguma chuva, montanhas rochosas de mais de 1.000 metros verticais e, finalmente, o avistamento de um puma… Sim, eu consegui ver um puma!

Manhã depois do avistamento do puma, no loca de ac

Manhã depois do avistamento do puma, no loca de acampamento da Estancia El León

Em El Bolsón encontrei meu amigo Hendrik Fendel – mountain biker, trekker, fera em GPS, gente boa e companheiro ideal, com quem já pedalei muito pela Serra Catarinense e Serra Gaúcha no mapeamento do Guia de Trilhas Serra Geral (BluGrama) – para caminharmos juntos pela Patagônia. Ele veio especialmente do Brasil para fazer comigo esse último roteiro de trekking e trouxe tudo programado, pesquisado e plotado para nossa aventura. Um descanso para mim nesse final de viagem.

Hendrik Fendel,

Hendrik Fendel, subindo a montanha com o Vale do Rio los Leones ao fundo

Há mais de quatro anos eu queria chegar ao famoso Valle Cochamó pela Argentina, desde que conheci e mapeei o acesso chileno a esse paraíso de escaladores em rocha em 2009, para o Guia de Trilhas Carretera Austral. Deixei a bike e o bike trailer em uma pousada em El Bolsón e fomos, Hendrik e eu, de carona com o dono de uma loja de aventura, até o Paso El Manso, numa saída da Ruta 40 na localidade de Río Villegas. De lá começamos a caminhar.

Hendrik Fendel e

Hendrik Fendel e Guilherme Cavallari, em frente ao posto de Gendarmería El Manso

No primeiro dia, 18/03, segunda-feira, caminhamos apenas 3,8 quilômetros, do controle argentino de fronteira, na Gendarmería Paso El Manso, até o posto de Carabineros de Chile no Paso El León, onde acampamos. Foi no gramado da Estancia El León, ao lado do Valle Río Leones, às 1:15 da madrugada, que eu vi um puma…

Super liquem patagônico, tipo "orelha de pau", encontrado na beira da trilha

Super liquem patagônico, tipo “orelha de pau”, encontrado na beira da trilha

Acordei com o tropel de cavalos, que pastavam na grama ao nosso lado. Um correria nervosa que fez o chão tremer. Num salto, saí do saco de dormir e meti a cara para fora da barraca. Tinha medo que os cavalos, excitados por alguma coisa, pisoteassem a barraca conosco dentro. Dormíamos com a varanda da barraca aberta para minimizar a condensação. No céu havia meia lua crescente, que iluminava o suficiente para ver com alguma facilidade o entorno. Nem dois segundos olhando o gramado e vejo passar, a dez metros de mim, um animal grande, volumoso, musculoso, de contornos arredondados, orelhas pequenas, caminhando lentamente. Um puma adulto – quase ouvi minha mente falando. Em um segundo pensei um monte de coisas… Acordo o Hendrik ao meu lado? Saio da barraca? Faço algum ruído?… Mas decidi pegar minha lanterna e iluminar o bicho. Tudo o que eu queria era ter certeza, confirmar com os olhos o que a mente já havia confirmado, mas a razão teimava em duvidar. Minha lanterna estava com as pilhas fracas e a luz atrapalhou mais do que ajudou, criou uma cortina de umidade e névoa diante de mim. O puma desapareceu no escuro… O pior de tudo foi que minha máquina fotográfica estava ao lado da lanterna, no mesmo bolso lateral de dentro da barraca. Se eu tivesse pegado a máquina e feito uma foto, teria iluminado o puma muito melhor com o flash e ainda teria a foto para confirmar e comprovar o avistamento… Nunca vou me perdoar por esse erro!

Pegada de puma na margem do Rio Leones, não muito distante do nosso acampamento

Pegada de puma na margem do Rio Leones, não muito distante do nosso acampamento

Excitado, incapaz de dormir, imediatamente após a passagem do bicho, acordei o Hendrik. Ele também teve dificuldade em dormir depois… Dois insones numa casinha de nylon, na Patagônia, pensando em pumas…

Lagarto

Pequeno lagarto, muito comum ao longo da trilha na região do Valle Cochamó

No dia seguinte, 19/03, terça-feira, caminhamos quase toda a extensão do belíssimo Valle del Río Leones. Subimos de 428 metros acima do nível do mar a 1.450 metros, até o topo da montanha que nos tirou do vale e nos levou para o platô da Laguna Brava. Um subida estúpida, dura, íngreme, suada, ziguezagueando encostas, que quase não sentimos de tão bonita a paisagem. Da Laguna Brava, subimos e descemos outra serra, bem menor, tudo por dentro de bosques úmidos e lameados, sombreados e perfumados, até despencarmos a 600 metros de altitude para a margem do Lago Vidal Gormáz. Foi um dia longo, de 24 quilômetros de caminhada com um intervalo de 45 minutos de almoço. Montamos a barraca faltando 40 minutos para o por do sol, já no lento e agonizante luscofusco patagônico.

P1080407 (800x451)

Deselegante balé da lama, em trecho de trilha entre o o Lago Vida Gormáz e o Camping La Junta

Quarta-feira, 20/03, foi um dia escuro, chuvoso, com lama até os joelhos, que nos levou do Lago Vidal Gormáz até o Refugio El Arco, ao lado da cachoeira El Arco e a origem do Rio Cochamó. Míseros 16 quilômetros em oito horas de deslocamento. Quase não vimos o horizonte porque estávamos todo o tempo encerrados dentro do bosque. Chegamos ao barracão do refúgio molhados e debaixo de um céu agourento, que prometia chuva grossa… Promessa confirmada durante toda a noite. Conseguimos fazer uma fogueira dentro do refúgio, em local apropriado, que ajudou a secar – e defumar – nossas roupas e calçados. De madrugada a temperatura caiu para números negativos e congelou poças de água no caminho.

Dentro do Refugio El Arco

Dentro do Refugio El Arco, fazendo fogo para secar equipo, roupas e sapatos e aquecer os ânimos…

Quinta-feira, 21/03, o dia amanheceu incrivelmente frio e ensolarado. Céu azul sem nuvens. Descemos do refúgio até a entrada do vale Cochamó e suas montanhas de granito acinzentadas, gigantescas, que possibilitaram o apelido de “Yosemite da América do Sul” à região. Escaladores em rocha do mundo todo visitam o vale no verão e se deslumbram. Caminhamos sob o sol, fazendo fotos a cada cem metros, felizes e encantados, até montarmos acampamento no Camping La Junta, aos pés das montanhas rochosas mais altas e belas do vale.

Montanha conhecida como Anfiteatro, vista do Camping La Junta, Valle Cochamó

Conjunto de montanhas conhecido como Anfiteatro, visto do Camping La Junta, Valle Cochamó

Sexta-feira, 22/03, saídos de La Junta e caminhamos ao lado do Rio Cochamó, até a Vila de Cochamó, no Estuário de Reloncaví, no Oceano Pacífico. Novamente muita lama, dessa vez por mata ciliar densa. Um dia de 22 quilômetros de caminhada até a ponte sobre o Rio Cochamó, na estrada de terra que conecta a Vila de Cochamó com a Vila Río Puelo – nosso próximo ponto de destino para pegarmos uma outra trilha, de volta a Argentina. Dormimos em camas e tomamos banho em um pousadinha simpática e limpa – Hostal Maura – com cara da casa de vovó.

P1080502 (800x451)

Uma das muitas travessias de rios entre o Refugio El Arco e o Camping La Junta, no Valle Cochamó

No sábado, 23/03, pegamos um ônibus até o Lago Tagua Tagua, embarcamos em uma balsa de pedestres e veículos na Punta Canelo e desembarcamos, uma hora depois, na Punta Maldonado, onde um micro-ônibus empoeirado nos esperava para nos levar até Llanada Grande – um aglomerado de meia dúzia de casinhas na beira da estrada de terra. De lá começava nossa trilha rumo à Argentina. Caminhamos apenas 5 quilômetros, no fim do dia, da beira da estrada até as margens do lindo Lago Azul, onde montamos acampamento ao lado de uma estância antiga e bem arrumada.

Lago Azul, visto da montanha que o separa da estrada de terra entre Llanada Grande e Primer Corral

Lago Azul, visto da montanha que o separa da estrada de terra entre Llanada Grande e Primer Corral

Domingo, 24/03, deixamos as águas do Lago Azul para chegar às águas do Lago de las Rocas, na sua extremidade sul, onde outra trilha nos levou até bem próximo do Lago Inferior e ao posto dos Carabineros de Chile para carimbarmos nossos passaportes – minha última saída do Chile nessa expedição. Caminhamos por bosques fechados e pastos de fazendas por cerca de 16 quilômetros e acampamos em um campo de futebol de frente para o Lago de las Rocas. A lua estava quase cheia e ficamos até os últimos raios de sol olhando as águas, tomando capuccino com rum, brindando a vida e conversando sobre aventura.

Hendrik Fendel na tirolesa de acesso ao Refugio Co

Hendrik Fendel na tirolesa de acesso ao Refugio Cochamó, sobre o belíssimo Rio Cochamó

Na segunda-feira, 25/03, já oficialmente fora do Chile mas ainda caminhando por terras chilenas, cruzamos por bosques fechados toda a extensão do Lago Inferior até sua conexão, via um trecho curto de rio volumoso e mexido, muito bonito, com o Lago Puelo e a Argentina. Essa trilha é conhecida como Sendero los Hitos, mas quase todo mundo visita a fronteira entre os dois países de lancha a motor, saindo da vila de Lago Puelo, seguindo a tradição do mínimo esforço. Foram 15 quilômetros fáceis, por trilhas bem marcadas e conservadas, até um acampamento semi-selvagem no Parque Nacional Lago Puelo – havia banheiros, mas com portas trancadas.

Guilherme Cavallari, na trilha que

Guilherme Cavallari, na trilha que acompanha o Lago Inferior, Chile

Terça-feira, 26/03, com carimbos argentinos nos passaportes, caminhamos por 13 quilômetros até uma passarela sobre o Rio Azul, na periferia da pequena vila de Lago Puelo, até a Ruta 40. Fizemos uma parada rápida em um vendinha local, atacamos o estabelecimento como dois gafanhotos mutantes famintos e conseguimos uma carona até El Bolsón, a menos de 15 quilômetros de distância. Nosso motorista e bom samaritano, o argentino Hugo, dirigia uma picape Ranger que não podia ultrapassar os 70 km/h – começava a trepidar e parecia que soltaria todos os parafusos. Ele tinha uma coleção de CD com música de discoteca dos anos 70 e 80 da banda CHIC. Tocava 30 segundos de uma música… Ohhhh, freak out! Le Chic, cest chic! Freak out! Freak out! Le Chic, cest chic! Freak out!… E já passava para outra… Everybody dance, uhuuu clap your hands, clap your hands…30 segundos e vinha outra… Good times. These are the good times. Leave your cares behind. These are the good times. Good times. These are the good times… Enquanto eu chacolhava o esqueleto, dolorido da caminhada, no banco de trás, lembrando dos meus tempos de adolescente…

Todo dia

Todo dia, no fim do dia, tem que atualizar o diário de viagem, às vezes com luz natural, às vezes dentro da barraca sob luz de lanterna…

Fim da aventura. Faltam dois dias de pedal e menos de 120 quilômetros até Bariloche, onde termino minha saga de seis meses e 6.000 km pela Patagônia. Já sinto uma enorme vontade de voltar para casa e retomar, com muito mais alegria, a rotina de vida urbana. Parece que foi ontem que comecei a planejar essa viagem e, ao mesmo tempo, parece que foi em outra encarnação. Quanta coisa vi, vivi, senti… O tempo não parece ser medido por horas ou dias, mas por sensações e experiências.

Empresas que apóiam a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA

Empresas que apóiam a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA

Link para o CRONOGRAMA da EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA no blog:

https://www.kalapalo.com.br/index.php/cronograma-estimado-expedicao-transpatagonia/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *


MARCAS QUE APÓIAM NOSSOS PROJETOS: