2007, dezembro – rev. VIAGEM E TURISMO AVENTURA

1 de dezembro de 2007

De Bike pela Mantiqueira

Quatro dias de viagem ao ritmo de pedaladas, passando por estradas de terra, subidas íngremes e uma paisagem de renovar o fôlego.

por Luciana Pinsky

Desde a pré-adolescência eu tinha um sonho secreto de dar a volta ao mundo de bicicleta. Ou ao menos sair sem rumo certo por aí. Morria de inveja (da inveja boa, diga-se, a inspiradora) daquelas pessoas que contavam histórias de largar tudo durante um tempo e pedalar por cidades, países, continentes. Mas o meu sonho era só sonho mesmo, nunca pensara em realmente efetivar tal aventura.

Volta ao mundo ainda está fora de cogitação, mas o sabor de uma viagem de bicicleta eu já senti. De 16 a 19 de agosto participei com mais três amigos de uma cicloviagem de 185 quilômetros na região da serra da Mantiqueira. Não é possível descrever a sensação do vento no rosto de uma descida a 55 km/h ou a felicidade de superar uma subida de 10 quilômetros praticamente sem pôr o pé no chão. Ou, ainda, bater um papo rápido em um bar no meio do caminho. Ou observar a paisagem mudando lentamente, na mesma velocidade da pedalada. Sem barulho. Sem pressa. E, melhor, tudo isso sabendo que no dia seguinte teria mais trilha. Que o meio de transporte inteiro da viagem dependia apenas da gente.

Isso tudo é inesquecível, ainda mais em ótima companhia: Kátia Venceslau, José Francisco Scaglione Quarentei (Chiko), e Maurício Silveira. Para melhorar um pouco, contamos com a ajuda (psicológica e material) de Cristina de Barros, que foi “carro de apoio” nos dois últimos dias.

Tudo começou no ano passado quando Maurício e Chiko, chamados por um amigo, começaram a pedalar no Olavo Bikers, grupo que sai todo domingo de manhã pelas ruas de São Paulo. “Eu estava um pouco depressivo, obeso e precisava de alguma atividade. Em janeiro procurei um médico esportivo e meu principal objetivo era fazer uma cicloviagem”, conta Maurício.

Kátia começou a pedalar em abril no mesmo grupo de domingo. Comprou uma boa bicicleta e pegou gosto. Ficou amiga da turma, passou a fazer trilhas de um dia. A minha história com bicicleta talvez seja a mais antiga. Aprendi a pedalar criança, adorava, mas provavelmente teria deixado como boa lembrança de infância se aos 12 anos não tivesse sido chamada para uma “aventura” promovida pela extinta revista Crics. Gostei tanto que bicicleta tornou-se meu meio de transporte. E quando a onda de mountain bike começou, comprei uma que uso até hoje. Mas foi só neste ano que conheci o Olavo Bikers – e, logo, muitas pessoas que pedalam em grupos – e que comecei a pedalar mais e com mais vontade.

Quando o Maurício e o Chiko mandaram um e-mail em julho convidando para o cicloturismo programado para apenas três semanas depois, fiquei tentada. Adiantei minhas férias, Kátia conseguiu liberação no emprego novo e lá fomos nós.

1º dia – Campos de Jordão – São Bento do Sapucaí (36 km)

Chegamos na quarta-feira em Campos. Dia seguinte, cedinho, montamos os alforjes, vestimos muita roupa (estava frio, ainda que ensolarado) e partimos rumo a São Bento do Sapucaí. Os quatro sabíamos que esse seria o dia mais tranqüilo. Poucas subidas, algumas descidas e “apenas” 36 quilômetros. Tínhamos o dia inteiro para pedalar isso e os quatro já haviam percorrido aquela distância antes em trilhas. Fácil. O detalhe é que com exceção do Chiko – que fizera junto com Cristina a viagem do Caminho do Sol (www.caminhodosol.org) em maio – era nossa primeira cicloviagem.
Acordar, pegar o carro, estrada, fazer uma trilha, voltar para o carro, estrada, São Paulo… isso todos já conhecíamos. Mas viajar de bicicleta é diferente. Chegar em um lugar e saber que no dia seguinte vamos, de novo, pedalar. E no outro também. Não sabemos bem o que nos espera e, assim, fica difícil dosar a energia.

Tiramos nossa foto “inaugural” e fomos. O céu azul, azul e o sol começava a esquentar. E foi esse clima que pegamos nos quatro dias: céu limpo, claro e sol quente. Soa paradisíaco e, de fato, as paisagens ficam mais bonitas. Mas… para quem está pedalando o calor cansa bem mais. Ainda mais para quem carrega outros 10 a 15 quilos de bagagem. O suor, o cansaço eram inevitáveis. No primeiro dia pedalamos bem lentamente, paramos bastante e sentimos o efeito da viagem nos nosso corpos. Resultado: os quatro acabaram inteiros e apenas famintos.

2º dia – São Bento do Sapucaí – Brazópolis (41 km)

Ao olhar o roteiro de uma trilha, a quilometragem total é importante. Mas no mínimo tão importante é a altimetria e o tipo de terreno. Em outras palavras: quanto de subida haverá? E quanto de terra e quanto de asfalto? No segundo dia a quilometragem não era tão diferente do primeiro. Mas, pegamos subidas íngrimes. As bicicletas pesadas com os alforjes e o sol inclemente nos empurraram para o chão.

Mas há recompensa: uma das vistas mais deslumbrantes da viagem é em cima do morro que vai para Luminosa. Depois da subida radical, começa uma descida radical. Literalmente atravessamos um morro. E lá de cima avistamos a cidadezinha Luminosa, dois lagos, céu azul, muito verde. Maravilhosa. Ainda mais quando sabemos que temos pela frente – ufa – descida! Uma vez lá embaixo, ainda havia muito chão até Brazópolis: cerca de 17 km, mas era plano.

3º dia – Brazópolis – Itajubá (48 km)

Apesar do trajeto ser mais longo, o terceiro dia cansou um pouco menos que o segundo. Além de menos subida, contamos com uma ajuda providencial. Cristina de Barros, a santa Cris, nos serviu de carro de apoio neste dia e no último. Assim, viajamos com as bicicletas levinhas novamente. Emagrecer as magrelas foi uma experiência sensacional.

No meio do caminho, paramos em um bar, conversamos com o povo. O mais interessante na viagem não são só as paisagens deslumbrantes da serra da Mantiqueira, mas também conversar, ouvir um sotaque diferente e pensar, pensar, pensar enquanto pedala. E também não pensar em nada. Mais um dia acabado. Mais uma tarefa cumprida. Mas eu temia o último dia – trajeto maior, mais subidas…

4º dia – Itajubá – Campos do Jordão – (59 km – Ufa!)

Não havia dúvida que esse seria o dia mais complicado. Começava fácil com 17 quilômetros de asfalto e plano ainda por cima. Depois, porém, havia uma subida de 10 quilômetros sem parar. E na terra. Bom, se é para começar, então comecemos. A um ritmo lentíssimo – algo como 6 km/h – subimos com apenas uma parada em um refúgio de sombra que a Cris encontrou. Bebemos, comemos e voltamos a subir, subir, subir. As paisagens dessa estrada quase deserta são belíssimas. A vista era toda nossa. Se subida faz bem para o caráter, como dizem alguns, nosso caráter ganhou muitos pontos. Depois da subida – no sol – tivemos alguns momentos de sombra e mais vistas deslumbrantes.

Plano, descida, e quando achamos que o pior já tinha passado, fomos para uma estradinha de terra. E mais subida, ainda que menos íngrime que a primeira (e na sombra). A viagem estava quase no fim. Algumas descidas, planos e vistas nos aguardavam até voltar para o hotel em Campos de Jordão de onde havíamos saído quatro dias antes.

Os quatro chegaram inteiros, felizes e realizados. Eu sairia para minha viagem de férias dois dias depois. A Kátia começaria em seu novo emprego. Maurício e Chiko voltariam para o trabalho. Mas nós sabíamos que não haveria jeito de esquecer a aventura. Maurício já planeja um roteiro na Itália. Chiko e Cris montam um projeto de um mês no sul do país. Kátia pretende fazer outra cicloviagem em breve. E eu? Ah, eu vou para onde o pedal me levar.

ANOTE AÍ: A viagem feita está no Guia de trilhas – enCICLOpédia, volume 4, de Guilherme Cavallari, editora Via Natura. Um livro interessante para se preparar para viagem é Guia da Mountain Bike de José Antonio Ramalho, editora Gaia.
Itens indispensáveis na viagem:
– Bagageiro
– Alforjes e capas
– Caramanhola: com água e/ou isotônico.
– Ciclocomputador
– faróis
– lanche diário
– Mochila de hidratação (bastante recomendável)
Roupa e acessórios:
– Bermuda (e/ou calça) de pedalar.
– Camiseta que não retém suor.
– Capacete
– Luvas
Extras:
– Kit de reparo de pneus
– Bomba de ar
– Câmaras de reserva
– Ferramentas diversas (ex: alicate, chave de fenda, jogo de chave allen etc)

Lojas (em São Paulo, capital):
– Eduardo Puertollano (11) 6952-3380
– Blue Bike (www.bluebike.com.br)
– Pedal Power (www.pedalpower.com.br)

Operadoras de cicloviagem
– Auroraeco (www.auroraeco.com.br)
– Sampa bikers (www.sampabikers.com.br)

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