2007, dezembro – revista BIKE ACTION 89

1 de dezembro de 2007

Expedição Cinco Ilhas

Cinco dias, quatro amigos, duas rodas e uma viagem inesquicível

TEXTO: Andre Piva  FOTOS: Alexandre Cappi/BR Stock

“Durante as expedições, passamos por choques culturais, temos que nos privar de muitas coisas e as emoções sempre são muito fortes! Os paradigmas mudam rapidamente num curto espaço de tempo. Além de todo planejamento para que a expedição aconteça, precisamos estar preparados para o desafio da volta, quando reencontramos as pessoas em suas rotinas e muitas vezes não conseguem entender as transformações pelas quais passamos em tão pouco tempo”, revelou Rodrigo Raineri, um dos escaladores mais experientes do Brasil, parceiro de Vitor Negrete na trágica Expedição Everest em 2006. Negrete faleceu na madrugada do dia 19 de maio, no Acampamento 3, a 8.300 metros de altitude após ter se tornado o primeiro brasileiro a conquistar o cume do Monte Everest – o topo do mundo – sem utilizar cilindros de oxigênio suplementar.

A visão dos escaladores sobre expedições é uma das mais coerentes e rígidas, já que qualquer erro, principalmente em altas altitudes, pode significar a morte. Por isso, para todos que pretendem embarcar num ciclo-expedição em 2008, alguns cuidados devem ser tomados para evitar surpresas desagradáveis. E olha que isso não é papo de agência de viagem, e sim descobertas vivenciadas na Expedição 5 Ilhas, na qual durante quatro dias pedalei por cinco ilhas do litoral paranaense e paulista na companhia de três amigos e incontáveis “roubadas”. Em uma viagem, especialmente numa ciclo-viagem, muitas coisas acontecem. Surgem imprevistos e situações inesperadas que temos que superar de qualquer maneira. Uma queda, a picada de algum inseto venenoso, equipamento quebrado… Enfim, qualquer coisa pode frustrar, estragar ou pelo menos afetar os planos.
E quando a aventura envolve o uso da bicicleta, o planejamento é fundamental para o sucesso da expedição. Afinal, o número de itens para carregar aumenta consideravelmente. Em compensação, a liberdade dos movimentos rumo ao destino pré-definido é uma sensação tão boa que chega ser difícil descrever.

O mountain bike é um esporte que favorece o contato muito próximo com a natureza. E como o plano da Expedição 5 ilhas era explorar a natureza, pedalar e registrar tudo em histórias e fotografias, a melhor maneira foi partir para uma ciclo-viagem a beira-mar.

O objetivo era simples: pedalar em ilhas paradisíacas o máximo de quilômetros possível, sempre compartilhando risadas entre amigos.
Portanto, se você é um marinheiro de primeira viagem, algumas recomendações precisam ser seguidas:

• definir o roteiro com antecedência;
• levantar todas as informações sobre os locais que serão visitados;
• planejar a viagem por etapas, de acordo com seu condicionamento físico;
• identificar pontos de apoio no percurso (alimentação, água e pernoite);
• listar todos os itens importantes, como, por exemplo, kit de primeiros socorros e ferramentas para bike, para não esquecer na última hora;
• simular treinos com toda a bagagem carregada na bike, visando melhorar o condicionamento físico na situação mais próxima da realidade da viagem.

Seguindo as sugestões acima, tudo fica mais fácil. E como você pode perceber, a característica da Expedição 5 Ilhas esteve longe de grandes navegações expedicionárias do passado, em que foram feitas grandes descobertas da História. O nosso caso foi exatamente o inverso, já que visitamos lugares conhecidos, alguns com o turismo bastante difundido. Entretanto, durante a Expedição, com trechos semi-urbanos, soubemos resgatar e explorar a essência da expedição: o turismo com consciência ecológica, apreciando a natureza sem degradá-la.
Ilhas: do Mel, das Peças, Superagüí, do Cardoso e Comprida.

Ilha do Mel

A Expedição 5 Ilhas começa realmente aqui. O texto introdutório só ajudou a ilustrar que as experiências vividas mostram e afloram tudo, desde percepções, o contato com a cultura local e até a forma de conversar com as pessoas, que às vezes ignoramos ou passam despercebidas no cotidiano.
O ponto de partida foi a cidade de Morretes (PR), município localizado próximo a Baía de Paranaguá e nosso primeiro destino. Sob um sol escaldante, pedalamos no asfalto até alcançar a balsa que nos levaria para a primeira ilha da viagem, a doce Ilha do Mel.

A equipe foi formada pelo “ciclo-repórter” Andre Piva, o ciclo-fotógrafo Alexandre Cappi e dois ciclo-amigos, Matheus Vieria “Pig” e Leonardo Batista “Beginner”, estreantes no cicloturismo. Após os primeiros trechos de pedal, desembarcamos na Praia de Encantados, no lado extremo sul da ilha. A Ilha nunca pareceu tão doce pela quantidade de beldades e abelha – de verdade – que insistiam em marcar presença.

No primeiro acampamento, desfrutamos de uma noite estrelada ao som do reggae do camping vizinho. Logo cedo, enquanto muitos ainda festejavam, o grupo focado na aventura já saía para pedalar em busca da melhor luz do dia para fotografar. De lá partimos para uma volta na ilha e cedo o sol já castigava. As tentativas de resfriar o corpo com mergulhos no mar foram decepcionantes, pois a água salgada só ajudou para temperar e fritar ainda mais nossa pele.

A volta foi estimulante. Praias, morros, trilhas e costeira de pedras. O último, aliás, é um trecho perigoso, principalmente para quem tenta atravessar com sapatilhas. Resultado: um escorregão e várias esfoliações ao despencar 3 metros de altura entre pedras. Nada sério, mas o suficiente para marcar a primeira cicatriz da viagem. A vantagem de pedalar é que tudo passa rápido. Bem-vindo à Brasília, onde é possível apreciar a Praia do Farol e o istmo (estreita faixa de terra que quase separa a ilha ao meio). Ainda pedalamos até a Praia do Forte e Ponta do Hospital. Depois, meia-volta, pois a natureza fecho passagem. O mangue toma conta da paisagem sempre protegida por siris.

E como ninguém é de ferro, outro mergulho para refrescar. Enquanto isso, apreciávamos nosso próximo destino: a Ilha das Peças. O fotógrafo também quis registrar o momento e, no melhor estilo freestyle, saltou da plataforma de pesca com sua bike hardtail. Ele só não contava que o tênis molhado podia escapar do pedal e ir cravar direto na coroa… Resultado: direto para o posto de saúde. O médico de plantão parecia não entender: “Como alguém aparece aqui com u m corte causado por uma coroa de bicicleta, com a perna cheia de graxa e areia?”.

Para completar, o Doutor, vestido com uma camiseta regata, alertou o ferido: “Se eu fosse você, ficaria 48 horas de repouso com a perna para cima. Se inflamar, não terá ninguém para acudir. O hospital mais próximo fica em Curitiba”, isso mesmo antes dele saber dos nossos planos de seguir viagem para pedalar mais de 100 quilômetros.

O primeiro grande imprevisto deixou a dúvida no ar: abortar a missão ou seguir? De cabeça baixa, ar sério, porém totalmente consciente, Cappi disse: “Acho que dá, vamos continuar”. Para completar, São Pedro ignorou as previsões e mandou uma chuva para esfriar nossos ânimos.

Ilha das Peças

Na manhã seguinte, o tempo ruim prejudicou a travessia de barco para a segunda ilha. Apenas às 11h00, com o céu nublado, conseguimos nos infiltrar num passeio para ver golfinhos e, assim, alcançar a Ilha das Peças.
No trajeto, apesar da chuva, avistamos golfinhos. Pouco depois, já em terra firme, deixamos o pequeno vilarejo da ilha sob olhares da comunidade local. Afinal, saímos debaixo de muita chuva, embalados com capas e sacos de lixo. Não tínhamos tempo a perder devido ao jogo de maré. Afinal, a única chance era pedalar na areia mais firme, na maré baixa.

A Ilha das Peças é uma das 30 ilhas da Baía de Paranaguá e pertence a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba e ao Parque Nacional de Superagüí, desde 1989. Sua pequena população vive basicamente da pesca e não passa de 400 moradores.

A ilha abriga diversos manguezais, restingas e Floresta Atlântica. Pelos 15 quilômetros de areia da praia, é possível observar animais raros, como o papagaio-de-cara-roxa e o boto cinza. Para nossa surpresa, avistamos uma carcaça, cujo tamanho e formato deixavam claras evidências de que se tratava de uma baleia.

Com a bússola sentido norte, não demorou para chegar na terceira travessia: Ilha das Peças a Superagüí. Aqui, um detalhe importante é estar com roupas vistosas e, se possível, levar um sinalizador em dias nublados. Apesar da pequena distância entre as ilhas, é preciso acenar bastante até algum barqueiro na outra margem vir buscar. A voadeira quase não suportou quatro pessoas, quatro bikes e mochilas, além do barqueiro, e por pouco não afundamos. Em compensação, foi difícil desembarcar sem ficar encharcado.

Ilha do Superagüí

Partimos com a informação errada da subida da maré. Movidos por um forte vendo sul, percorremos cerca de cinco quilômetros já em condições complicadas, pois o mar já dominava a parte de areia compacta, sobrando apenas uma pequena faixa de areia fofa. O esforço seguiu até ficar diante de um rio com águas turbulentas. Não acreditávamos na visão, a natureza mandou a gente parar. O momento foi de reflexão para todo o grupo. A chuva e o vento já apertavam o frio. Por mais de duas horas ficamos tentando encontrar a melhor solução para seguir viagem. Procuramos por trilhas mata adentro, mas encontramos apenas um manguezal. Ficamos sempre rodeados de gaivotas e siris selvagens. Encontramos até pegadas de uma suposta jaguatirica ou gato-do-mato, mas também podiam ser de outros animais mais comuns na região, como paca, cotia ou porco-do-mato.

Diante dos riscos naturais e com a impossibilidade de seguir caminho, optamos pelo “plano B”, ou seja, retornar ao vilarejo de Superagüí para pernoitar e esperar o melhor momento. Foi aí que lembramos da importância do planejamento e logística numa viagem de bike para o sucesso da mesma, já que no Parque Nacional de Superagüí, como em qualquer parque nacional, é expressamente proibido o acampamento selvagem. Ainda mais em Superagüí, que tem todo esse ecossistema de Mata Atlântica reconhecido pela UNESCO como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade, desde 1998.
Passado o camping de emergência no quintal da comunidade, seguimos pela selvagem Praia Deserta. Aliás, o maior atrativo de Superagüí são os 38 km de praias virgens, que podem ser apreciadas de bicicleta ou caminhada.

Ilha do Cardoso

Para cruzar de Superagüí à Ilha do Cardoso é preciso atravessar a Barra de Ararapira, que divide os Estados do Paraná e São Paulo. São aproximadamente 200 metros, mas a travessia é possível apenas de barco. Para conseguir uma embarcação é preciso pedalar até o vilarejo, seguindo rio adentro. E como não dá para pedalar na água, seguimos margeando as águas por meio de um single track encharcado, porém muito divertido.

Já em território paulista, desfrutamos da culinária local: camarão no bafo acompanhado de muita Coca-Cola, para recuperar alguma glicose. A chuva não deu trégua em todo o trajeto. Seguimos mais alguns quilômetros até a comunidade de Marujá, uma área badalada onde se concentram pousadas, campings e restaurantes. Toda a região é bastante rústica e tranqüila. O único som diferente vem de geradores, que funcionam normalmente até às 22h00. Como era nossa última noite, optamos por hospedar numa pousada e tomar um merecido banho, afinal a maratona do dia seguinte seria bastante longa.

A Ilha do Cardoso é formada por algumas comunidades, mas sua população caiçara e indígena não chega a 500 habitantes. A Ilha do Cardoso integra em seu território uma área de preservação – Parque Estadual Ilha do Cardoso, criado em 1962, pertencente ao município de Cananéia. O Parque abrange uma área onde são encontrados todos os tipos de vegetação da Mata Atlântica costeira, que proporciona uma variedade extraordiária de ambientes e alta diversidade biológica. É tanta riqueza natural que a UNESCO declarou os remanescentes da Mata Atlântica como a Ilha do Cardoso, como Reserva da Biosfera.

Ilha Comprida

O último dia de pedal começou com uma longa viagem de escuna (aproximadamente 2h30), que nos levou até Cananéia. De lá pegamos outra balsa até o início do destino final: Ilha Comprida.

A origem do nome não é à toa: possui extenso comprimento e reduzida largura. 74 quilômetros de praias preservadas, dunas e vegetação de restinga completam o cenário natural. A ilha é uma APA (Área de Preservação Ambiental), criada em 1987. A região foi elevada à condição de Estância Balneária em 1994 e, por causa disso, surgiram muitos restaurantes e pousadas. Com a especulação imobiliária, o visual começou a degradar e esgotos são despejados nas praias.

Outro detalhe relevante é a areia compacta da praia, que de tão lisa é usada por ônibus, para o transporte regular. Pedalar nessas condições é perfeito para evitar a água salgada na transmissão, mas, em contrapartida, o único perigo é ser atropelado por algum motorista distraído. Por isso, pedale sempre com roupas chamativas.

Finalmente o sol resolveu aparecer na etapa final do pedal. E como o sol é sinônimo de praia, a orla de Ilha Comprida ficou lotada de banhistas. O engraçado era acompanhar a expressão nos rostos das pessoas com a nossa passagem. “Tem gente que me considera ‘meio maluco’. Porém, essa tendência de ser rotulado como ‘doido’ é genérica e atinge qualquer um que pratique algum esporte radical. Isso só será superado quando verificada a seriedade e profissionalismo com o qual o praticante idealiza e realiza seus objetivos, desde o projeto até a finalização. Uma vez que você dificilmente vai fugir desses ‘clichês’, gostaria de finalizar com a citação de um grande aventureiro inglês, Gilbert Chesterton: “A aventura pode ser louca, mas o aventureiro, para levá-la a cabo, há de ser muito equilibrado’”, pontuou Josiel de Assis, praticante de cicloturismo há cerca de 4 anos.

Foram apenas cinco dias de viagem e pouco mais de 200 km pedalados, porém um aprendizado e princípios para toda a vida: companheirismo, coragem, liberdade, lealdade e solidariedade, diante dos inúmeros “causos” da expedição. Portanto, o mais importante numa ciclo-expedição é o auto-conhecimento. O ato de pedalar em lugares inóspitos traz uma paz interior que pode ajudar você a refletir suas ações diante do planeta. Um tipo de consciência que não sobra espaço para errar, de modo que todos os passos se focalizam para o bem exterior e, conseqüentemente, para a preservação da vida. Enfim, perseguir um sonho ou ir em busca de um objetivo, seja qual for sua atividade, é tudo uma questão de dedicação, jeito de fazer e tempo. Não importa qual é o local ou a data, o ideal é fazer um bom planejamento. Assim, o tempo torna-se seu maior aliado, afinal tudo na vida tem a sua hora certa para acontecer.

Utilizamos o Guia de Trilhas, volume 3, criado pelo paulista Guilherme Cavallari.

Total: 210 km.
Dia 1: Morretes/Paranaguá/Ilha do Mel = 50 km
Dia 2: Volta na Ilha do Mel = 35 km
Dia 3: Ilha das Peças/Ilha do Superagüí = 20 km
Dia 4: Superagüí/Barra de Ararapira/Ilha do Cardoso (Marujá) = 45 km
Dia 5: Ilha do Cardoso/Cananéia/Ilha Comprida = 60 km

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