2008, janeiro – revista VO2 MAX

1 de janeiro de 2008

Sem férias para a bike

Praticar MTB no período de folga pode ser uma excelente forma de aprimorar técnica, manter o condicionamento físico e, claro, se divertir

por Rodrigo Gerhardt
Ilustração Adalberto Miki

Uma trégua na rotina, seja de 15 dias ou de um mês – para quem tiver o privilégio –, pode ser a oportunidade ideal para se aproximar da mountain bike e, de quebra, renovar as energias para mais um ano, em meio ao contato com a natureza. Para quem pratica regularmente o ciclismo de estrada, as férias também são um bom momento de sair das rodovias movimentadas neste período e se embrenhar por trilhas e percursos que nunca serão feitos em uma speed. Os benefícios dessa troca momentânea vão além de uma simples mudança de ares.

Sobre os pneus com cravos e sem a principal desculpa de falta de tempo, é possível conhecer lugares e interagir com belas paisagens, aventurar-se em novos desafios, passear com a família, fazer uma nova turma de amigos. “Conheci um superescalador que sempre dizia que o propósito de escalar montanhas era, acima de tudo, se divertir. Portanto, o melhor seria aquele que mais se diverte, e não necessariamente o que escala coisas mais difíceis. Eu concordo com ele. “O sentido de treinar e de se manter em forma justifica-se não apenas pela participação em provas, mas em poder chegar num lugar maravilhoso e percorrer por cinco ou seis horas um terreno com inclinação e 15 graus sem sofrer muito”, diz Makoto Ishibe, multiesportista, que, em outubro de 2007, rodou de mountain bike a região das vinhas, na Califórnia, com a sua mulher.

Em solo canarinho, não faltam rotas e trilhas em diferentes níveis técnicos e de esforço para curtir as férias sem dar férias para a bike. Cada vez mais assessorias esportivas o organizadores realizam passeios coletivos e os parques se abrem para a bicicleta, como recentemente fez o Parque das Neblinas, em Bertioga (SP). Lá, em uma área privada de 2.800 hectares de mata atlântica, além da possibilidade de caminhar até 30 km, desde novembro é possível pedalar por trilhas que vão dos 5 km aos 32 km e combinar a pedalada com canoagem. E o que mais há são atrativos como rios, cachoeiras, animais, cheiro de mato e tranqüilidade (veja mais sobre esse e outros roteiros nas páginas seguir).

Pedalada compartilhada

A companhia para a pedalada é um diferencial que deve ser aproveitado no MTB. É a chance de conhecer gente nova ou ter a lado aqueles amigos que existiram apenas ao telefone, em função dos inúmeros compromissos ao longo do ano.

Pedalar com alguém experiente, um monitor, por exemplo, também é a melhor forma de aprender as manhas da modalidade – há dicas, como a relação e troca das marchas, usadas constantemente, que são mais bem aprendidas na prática com quem sabe – e nesse sentido vale procurar grupos organizados. “No speed o treino solitário não é tão ruim, mas na MTB a pedalada fica mais descontraída e divertida quando feita em grupo”, diz o diretor técnico da assessoria esportiva Race, Ricardo Arap.

Mas, se a intenção é fazer um treino mais dinâmico e com horário determinado para voltar para casa, o melhor é reunir no máximo oito pessoas, com o mesmo nível físico e habilidades. “Grupos grandes tendem a tornar o passeio amarrado. São mais indicados quando se está relaxando e sem compromisso de horário”, diz o diretor técnico da Proparts, Daniel Aliperti.
Início sem traumas

Mesmo para quem tem bom condicionamento físico, mas pouca ou nenhuma habilidade na pilotagem, o mais seguro é começar de forma leve, escolhendo trilhas de baixo nível técnico. “Estradas de terra compacta, trilhas sem erosão e locais planos são o melhor início, até para quem vem do speed. É importante não ultrapassar seu limite para evitar a chance de acidentes ou lesões que possam comprometer não só as férias, mas o reinício da temporada de treinos”, alerta o ciclista e proprietário de loja especializada em bike Cléber Anderson. Segundo ele, em trechos mais difíceis, com muitas pedras soltas ou descidas fortes, quem não tem habilidade deve descer da bike e empurrá-la, encarando a caminhada como um trekking. “O que pode ser um bom complemento e um lazer a mais”.

Outra preocupação é com a lama. Se esta época é ideal para se refrescar nos banhos de cachoeiras, também traz dias de muita chuva. Em trechos curtos, o barro até faz parte da diversão e realmente dá uma sensação de maior “proximidade” com a natureza, mas em percursos longas, a aventura precisa ser bem avaliada, pois exige técnica e um bom condicionamento físico – o desgaste é muito maior. “Deve-se evitar as poças de água muito extensas e profundas e as trilhas de terra argilosa, que gruda no pneu e na bike. Solos que absorvem a água após a chuva forte sem se desestabilizar muito são mais indicados”, recomenda Daniel Aliperti. “Depois de vários dias com chuva, é melhor evitar trilhas que passem por fundos de vales ou mata fechada. Os campos abertos normalmente têm menos acúmulo de barro e assim o equipamento também é poupado”, complementa Adriana Nascimento, treinadora, pentacampeã do Iron Biker eum dos principais nomes do MTB nacional. Para que o treino ou passeio termine da forma mais tranqüila possível, eles elaboraram a lista de recomendações.

Atenção com a bike

Coringa para a maioria das situações e atividades os modelos cross country e all mountain são os mais indicados para quem pensa em comprar uma mountain bike para curtir mais as férias. “É preciso ter bastante cuidado com as bicicletas emprestadas, principalmente se estiverem muito tempo paradas, e se certificar de que elas foram revisadas e são adequadas ao seu tamanho. Uma bike pequena derruba fácil”, diz o ciclista Cléber Anderson.
Para orientá-lo sobre a escolha de uma mountain bike para treinos ou aventuras sem competição, Daniel Aliperti destaca os principais componentes nas seguintes configurações:

Básica – de geometria moderna, garfo de suspensão, pedais de encaixe, bons pneus e 24 a 27 marchas com relações reduzidas para enfrentar os morros.

Desejável – suspensão nas duas rodas, o que aumenta muito o fator diversão, conforto e segurança.

Muito boa – com freios a disco, mais potentes e que sofram menos interferência dos elementos externos e pneus tubeless, sem câmara, pois permitem usar de 12% a 15% menos pressão, para maior tração e maior conforto do ciclista, sem perda de performance.

Para a turma do asfalto

A prática de mountain bike na pré-temporada ou período de transição de atletas de ciclismo ou triathlon traz diversos benefícios no âmbito técnico, psicológico e para o condicionamento físico. “A transição normalmente acaba sendo um período de férias e descanso das competições, mas atletas de alto nível costumam praticar outras modalidades. Em países da Europa, é comum ver atletas do MTB fazendo ciclocross e atletas do ciclismo encarando o MTB”, diz a atleta e treinadora Adriana Nascimento.

Manutenção da forma física – O princípio da reversibilidade é implacável. Basta uma interrupção no treino para o corpo regredir aos estágios anteriores de condicionamento. Em época de férias, 15 dias parado já causam um bom estrago – pior ainda acompanhado de uma dieta desregrada. Por trabalhar tanto a parte aeróbica, a mountain bike pode ser uma alternativa de manutenção. Segundo Ricardo Arap, “a regularidade não precisa ser militar. Três vezes por semana ou um passeio longo de dois ou três dias já são suficientes para manter a forma física”, afirma. Apenas os exageros devem ser evitados. “Os volumes devem cair nos períodos de transição. E passeios longos precisam ser feitos em baixa intensidade para não gerarem um problema de recuperação depois”, diz o diretor técnico da MPR assessoria esportiva, Marcos Paulo Reis.

Ganho de força e potência – Essas características são mais trabalhadas na MTB em função das adversidades e oscilações mais freqüentes do terreno e dos estímulos musculares mais intensos de explosão e recuperação. E os ganhos podem ser facilmente aplicados depois nas subidas da estrada.
Além de a freqüência anaeróbica ser mais facilmente atingida, o recrutamento muscular na MTB também difere da speed quanto aos grupos musculares de tronco e braços nas descidas, posicionamento diferente nas subidas e músculos das pernas que permanecem em contração isométrica sustentando o peso do corpo nas descidas, pois o atleta não fica sentado no selim devido à trepidação. “Já presenciei atletas bem condicionados e fortes sentindo câimbras ao final de uma longa sessão de descida em trilha”, diz Adriana Nascimento. Em função disso, a recuperação de um treino exige muita atenção, principalmente no início das pedaladas de MTB. “Não faça dois dias seguidos em trilhas com muito desnível, procure alternar um dia em terreno acidentado com outro dia em terreno plano; e alongue-se sempre para evitar lesões e ajudar na recuperação”, aconselha a treinadora.

“Um ciclo de treinamento de quatro ou seis meses começa com o trabalho de resistência construída e não deseja muito descanso, pode usar a MTB como um treino específico”, diz Cléber Anderson.

Aprimoramento de técnica – “Ao longo da temporada perdemos um pouco da eficiência mecânica do movimento, pois, com muitas competições, deixamos de lado os exercícios educativos”, diz Adriana Nascimento. Segundo ela, no MTB o atleta é mais exigido nesse aspecto em função da variação do terreno. “Em subidas, é preciso aumentar a cadência. Se há pedras, poças ou lama que possam fazer a roda derrapar, a força e a cadência devem ser muito bem dosadas”.

Maior agilidade e controle motor – A pilotagem também é muito deferente na MTB. Exige reflexos mais apurados, dosagem de velocidade e desvio de obstáculos. “Muitas vezes temos de saltar ou simplesmente puxar a roda para aliviar a força da sua batida contra pedras ou buracos, eu podem causar danos à bicicleta ou as pneus”, diz Adriana.

Ao retornar ao asfalto, o atleta terá mais segurança para tomada e retomada de curvas com mais velocidade, para desviar de obstáculos e se sairá melhor quando a roda derrapar no asfalto molhado, além de um movimento mais eficiente. “Para o pessoal do triathlon, que dificilmente passa por uma escola de bicicleta e não tem muita técnica, isso é ainda mais importante”, avalia Marcos Paulo Reis.

“Especificamente para quem anda em pelotão, um período de MTB deixa o ciclista com mais flexibilidade, equilíbrio e reflexos mais rápidos para enfrentar esse vespeiro, cheio de cotoveladas, joelhadas, tombos à frente e desvios bruscos”, complementa Guilherme Cavallari, um dos fundadores da Associação Bike Brasil e autor da série “Guia de Trilhas enCICLOpédia”.

Maior motivação – A oportunidade de encarar desafios sem o peso de uma competição, além de se desligar em meio à contemplação de uma ambiente natural tranqüilo, sem o barulho das rodovias, é o mais importante para renovar a motivação de atletas amadores ou profissionais. “Esse é o principal ganho de um período de atividades complementares e com pouco comprometimento. Vejo muita gente desenvolver um comportamento obsessivo por treinos”, diz Reis.

“Pedale até o alto de uma montanha, pare em uma sombra para um alongamento e depois desça uma trilha desafiadora. O atleta consegue renovar as energias com a MTB e certamente voltará mais motivado para a próxima temporada”, aconselha Adriana.

SEGURANÇA E CONFORTO

Alguns cuidados para o treino ou passeio de MTB
• Use sempre capacete, luva e óculos de proteção
• Proteja-se do frio e calor com roupas adequadas
• Na serra, tenha sempre um agasalho. É comum a variação brusca no clima
• Leve água e comida suficiente, nem mais nem menos
• Use protetor solar
• Ao encarar uma trilha sozinho, informe alguém aonde pretender ir
• Leve celular, cartão telefônico e algum dinheiro
• Tenha uma placa de identificação
• Leve e saiba usar um kit básico de reparos com: câmara de ar, bomba, chave de corrente, canivete de chave Allen (chave multiuso) e remendo para câmara
• Busque antecipadamente informação sobre onde pretende passar, não deixe para descobrir as dificuldades do percurso na hora de encontrá-las. Uma conversa com um morador local a ser explorado pode render informações preciosas

PARA PRATICAR

Nas grandes cidades, é difícil encontrar bons lugares para a prática de MTB – mais eles existem. Vale se informar com praticantes experientes e grupos de ciclistas. Com a internet ou guias especializados, também é possível encontrar sugestões em outras cidades, como as a seguir, selecionadas por Guilherme Cavallari, um dos fundadores da Associação Bike Brasil e autor da série “Guia de Trilhas enCICLOpédia”, no qual encontra-se o detalhamento de cada um dos percursos.

O sexto volume da série Guia de Trilhas enCICLOpédia (Ed. Kalapalo, R$ 21) traz mais de 500 km de trilhas em 13 roteiros para mountain bike, com planilhas, mapas, fotos e descrições bem detalhadas. Nesta última edição, o destaque fica para as trilhas em que são possíveis os banhos de rio, represas e cachoeiras – ideal para o verão. Mais informações: www.kalapalo.com.br

Joanópolis – Monte Verde (MG)
Um dos mais clássicos percursos de MTB liga as duas cidades mineiras por terra. Há operadoras nas localidades que podem fornecer guias. Em uma distância total de 36 km, feita entre 1h30 e 3h, é preciso perna para vencer os 20 primeiros quilômetros de várias subidas, mas atrativos como a Cachoeira dos Pretos compensam o esforço. A dificuldade técnica é média.

Trilha da Bundinha (DF)
Feita na área do Altiplano Leste do DF, é uma trilha de 15 km para quem quer se aprimorar na técnica. O percurso cruza o cerrado, passando por alguns trechos com pedras, valas e singles. Logo no início, destacam-se as duas elevações cujo formato dá nome à trilha. Recomendada para iniciantes, tem duração média de duas horas. Mais informações sobre esta e outras trilhas em Brasília: www.rebasdocerrado.com.br

Campos do Jordão e Sul de Minas (SP-MG)
São muitas as opções de trilha em Campos do Jordão, mas os mais ousados podem descer a serra até Santo Antônio do Pinhal e subir de volta. São 60 km de trilhas e quase 1.200 metros acumulados de subida e o mesmo de descida acumulada. Existe anda a opção de continuar por Minas Gerais, voltando para Campos do Jordão em quatro dias, perfazendo 184 km de trilhas e muita estrada de terra praticamente deserta.

Interior de São Paulo
Com saída de Mairiporã até a Pedra Grande, em Atibaia, depois a Pedra do Coração, em Bom Jesus dos Perdões, e volta para Mairiporã. São 70 km no total, quase todo em estradas de terra com pouquíssimo movimento de carros e 2.070 metros de subidas e descidas acumuladas. No final, a surpresa de descobrir tanto verde tão próximo de São Paulo. Um percurso para ciclistas muito fortes, que gostam de subidas e que não reclamam com facilidade.

Serra da Bocaina (SP-RJ)
Na divisa entre os estados de SP e RJ fica a Serra da Bocaina. Subir seus 23 km ininterruptos de São José do Barreiro até o topo da serra é um feito vitorioso. O roteiro continua ainda serra adentro, até descer as montanhas de volta ao vale, passando pelas cidades históricas de Silveiras e Areias. São 154 km totais, que podem ser feitos de três a cinco dias, dormindo em boas pousadas no meio do caminho.

São Bento a Corupá (SC)
A 130 quilômetros da região de Curitiba, a ligação entre as pequenas cidades é realizada por estradas rurais com cerca de 40 quilômetros, por onde atravessa pontes e cruza plantações de bananas. Neste roteiro, é possível encontrar as inúmeras cachoeiras que estão espalhadas pela região, sendo 14 delas apenas formadas pelo Rio Novo, em Corupá, em Santa Catarina.

Parque das Neblinas (SP)
Desde novembro, o parque, localizado entre Mogi das Cruzes e Bertioga, ao lado do Parque Estadual da Serra do Mar, oferece três opções de trilhas de MTB (5 km, 25 km e 32 km) com diferentes níveis de dificuldades, em meio à Mata Atlântica recuperada e preservada e que podem ser combinadas com canoagem e trekking. O valor dos pacotes vai de R$ 30 a R$ 100. É necessário agendar visita pelos telefones (11) 4724-0555 / (11) 4724-0556.

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