DESPERTAR: UMA VIDA DE BUDA / JACK KEROUAC

3 de janeiro de 2012
Jean-Louis Lebris de Kerouac, ou simplesmente Jack Kerouac (1922-1969), norte-americano do estado de Massachussets, ficou mundialmente famoso principalmente por ter escrito o livro On The Road (“Pé na Estrada”, em algumas traduções em português) e por ter sido um dos precursores do movimento “Beatnik”, ou da “Geração Beat” – os verdadeiros pais do movimento hippie da década de 60 e 70.


Esse livro, “Despertar: uma vida de Buda” (em original, Wake Up: A Life of the Buddha) é uma publicação póstuma, escrita em 1955 mas descoberta e lançada apenas em 2008. Uma grande e grata surpresa…

Jack Kerouac é muito popular e querido entre pessoas inquietas, com disposição ao questionamento em movimento; gente menos disposta ou psicologicamente preparada ao estudo formal, mas prontas para descobrir a verdade gastando sola de sapato. Em outras palavras, é um dos meus heróis e modelos desde a mais tenra juventude. Li On The Road em uma sentada, em um fim de semana insone, sentindo taquicardia e sudorese nas mãos.

“Despertar: uma vida de Buda” é a biografia do Buda histórico, o Buddha Sakyamuni, o príncipe Siddhatha Gautama. Obviamente é um livro muito bem escrito, com o talento, lucidez e entusiasmo característicos de Kerouac. Mas esse pequeno livro traz várias surpresas…

O autor realmente estudou budismo e meditou muito, literalmente, para produzir a obra. Kerouac cita inúmeras fontes originais do século V e o poema épico Buddhacharita, escrito no século II pelo mestre Asvhaghosha e considerado a mais antiga fonte biográfica do Buda. A narrativa é envolvente e direta, como se Kerouac tivesse sido testemunha auditiva dos discursos do Buda (o que seria até possível, se ele atingisse determinados estados de meditação, segundo a tradição Theravada). Engraçado que as fontes citadas por Kerouac, esses textos históricos, não eram nada comuns ou conhecidos nos EUA na década de 50. Eles estão mais atrelados à tradição Theravada do budismo, que tornou-se popular no mundo ocidental não faz muito tempo.

Assim como outros escritores, filósofos, pensadores e mentes inquietas norte-americanas da época, Kerouac teve mais contato com o Zen budismo japonês, na época crescentemente popular nos EUA graças à chegada em São Francisco, na Califórnia, do venerável monge Shunryu Suzuki (não digite simplesmente “Suzuki” no Google ou na Wikipedia porque vai aparecer apenas a marca de motocicletas… E não confundir com o não menos venerável estudioso do Zen e autor de excelentes livros D. T. Suzuki).

A diferença é que a tradição Theravada considera fundamental no desenvolvimento espiritual o conhecimento clássico, acadêmico, enciclopédico, teórico, baseado nas escrituras e textos históricos do cânone disponível em Pali (língua morta parecida com o sânscrito). Já o Zen budismo japonês (existe também o Zen coreano) tem maior predileção pela disciplina, moralidade e meditação. Mas tudo é budismo, porque assim como existem vários caminhos para se chegar ao topo de uma montanha, também existem infinitos caminhos para a iluminação.

A intenção de Kerouac, com esse pequeno livro, segundo ele mesmo, era oferecer aos ocidentais um resumo da filosofia budista – que ele chama de “a lei perfeita”, porque é simplesmente a “lei da natureza”. Missão quase impossível, que ele se esforça e, se não consegue atingir, com certeza presta sua valorosa contribuição… Porque se existe um “demônio” no budismo, ele se apresenta sob a forma da ignorância.

Kerouac nessa obra acende uma grande fogueira que, se não destrói, com certeza afasta a ignorância para longe.

Fiquei especialmente encantado com a explicação que Kerouac dá sobre como a meditação budista Vipasana (meditação da visão clara das coisas como ela são) age na mente e alcança seu objetivo. Resumidamente, trata-se de acalmar os sentidos para que eles alcancem seu estado natural. Por exemplo, se há silêncio absoluto, o ouvido não se torna surdo, muito pelo contrário, ele se conecta com o sentido mais aguçado e sutil da audição, presente em sua condição primeira.

Quando meditamos, com os olhos fechados, acalmamos o sentido da visão, fechando as portas da mente para as influências externas. Em seguida nos concentramos em afastar a mente das influências internas – a incessante produção mental de imagens. Isso acalma o sentido da visão e o aproxima de seu estado natural, de “vazio pleno de conteúdo”.

Uma vez um sentido acalmado, os demais sentidos, segundo a tradição budista (visão, audição, paladar, tato, olfato e a mente – sexto sentido), também se acalmam. Assim a mente, por sua vez, consegue ter acesso ao seu estado natural e livre de interferências artificiais, internas ou externas…

Pelo menos essa é minha interpretação tanto do livro de Kerouac quanto dos ensinamentos do Buda.

Para quem se interessa por filosofia, história, desenvolvimento espiritual desarticulado de dogmas, esse é um ótimo livro para começar. Eu recomendo e com certeza vou ler mais algumas vezes.

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Despertar: Uma Vida de Buda
Jack Keraouc
L&PM Pocket
2010
175 páginas
www.lpm.com.br
ISBN 9788525420466

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