EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA / EL CALAFATE, ARGENTINA 2

23 de novembro de 2012


Não dá para ganhar todas na Patagônia. Saber desistir, dar meia volta e digerir o fracasso sem indigestão ou azia é tão importante quanto saber comemorar uma vitória. Por aqui quem dá as cartas é o clima – a temperatura, o vento, o sol. Somos folhas sopradas de lá para cá, nada mais.

Enquanto espero a chegada do novo bike trailer, para substituir o meu quebrado, resolvi explorar a região montanhosa que faz fronteira com o Chile – a Sierra Baguales. Desde o começo do ano, quando decidi projetar a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA, estudo essa serra pelo Google Earth e os mapas da região que tenho na Kalapalo Editora. Mas nenhuma informação era conclusiva – exatamente como aconteceu com o Paso Mayer, que fiz para cruzar de Villa O’Higgins, no Chile, para a Ruta 40, na Argentina, perto da cidade de Gobernador Gregores. Só verificando pessoalmente as perguntas ganham respostas definitivas.


Como estou sem bike trailer e o caminho poderia ser complicado, resolvi viajar de bike e mochila, levando saco de bivaque, saco de dormir, comida fria que não precisasse de fogareiro e panela, nenhuma roupa extra, o mínimo de ferramentas para a bike e, como sempre, nenhum meio de comunicação. A mochila de 42 livros devia pesar uns 12 quilos com água, no máximo.

Juntei o máximo de informação possível na cidade conversando com Eduardo, da melhor bike shop de El Calafate e que também organiza pedais pela região (www.travesiasur.com.ar) e com o proprietário da Estancia Nibepo Aike, Adolfo Jansma. Comprei dois mapas em grande escala – 1:350.000 – com curvas de nível e as principais estradas. Minha idéia era fazer, em cinco dias, o seguinte roteiro… 

El Calafate – Estancia Huyliche – Paso Verlika (Chile) – Estancia Las Chinas – Estancia Cerro Guido – Estancia La Porfiada – Paso Zamora (Argentina) – Estancia Nibepo Aike – El Calafate. 

Calculei em torno de 250 a 300 quilômetros totais e rezava para que fosse tudo em estradas de 4×4 com um mínimo de conservação.


Comecei a pedalar às 9:30 e às 10:30 já estava conversando com Juan Carlos Beheran, proprietário da Estancia Huyliche. Ele confirmou várias informações que eu tinha e adicionou uma importante… O Rio Sentinela estava muito alto porque o inverno havia sido duríssimo, com muita neve que ainda derretia nos cumes. Diversas vezes ele comentou que o dia estava gelado, frio demais para essa época do ano. Um comentário desses, vindo de um estancieiro patagônico de fala mansa e mãos rudes e calejadas, merece atenção.


Os primeiros 15 quilômetros de trilha, morro acima, foram relativamente tranquilos e cinematográficos. A trilha de 4×4 estava bem conservada e acompanhava o sinuoso Rio Calafate, que cortava um cânion de vegetação seca e pedregosa, íngreme, com esporádicos riachos descendo montanha abaixo e produzindo caminhos de verde novo e pulsante. Manadas de guanacos curiosos me seguiam de longe, fazendo um ruído extraterrestre e artificial, coisa de filme de ficção científica, misto de apito e chiado que lembrava estática de energia elétrica.


Tive que cruzar diversos riachos, apenas um pela água e sem as botas, os demais com alguma engenhosidade, saltando sobre rochas, usando a bike como apoio, buscando a parte mais mais estreita. O terreno da estrada foi ficando cada vez pior, com enormes poças de lama, erosões causadas por veículos 4×4, campos de areia mais fofa. Não demorou muito e eu já estava na mesma altitude das placas de neve antiga, acumulada em baixios nas encostas secas das montanhas do vale. Pegadas de pumas estavam por todos os lados, secas na lama, tantas que nem me preocupei em fotografar.

Numa subida menos íngreme vi dois veículos 4×4 estacionados na estradinha, ao lado de um muro de pedra com uma pessoa agachada atrás, trabalhando em algo. Ao me aproximar tive uma surpresa… Havia uma mesa e seis cadeiras de madeira, com turistas franceses em torno de um banquete campestre com fartura de vinho e comida. Um cozinheiro em roupa de montanhista flambava peras em uma pequena fogueira. Que inveja senti daquele grupo!

Fui me apresentar ao cozinheiro e pedir confirmação de informações. Ele me explicou que eu estava em área de conservação privada, pertencente à Estancia 25 de Mayo, de sua propriedade. Pedi desculpas pela invasão e permissão para seguir viagem. Julián, como se chamava o jovem cozinheiro, foi muito simpático e compreensivo, apenas insistiu que eu não deixasse lixo para trás e não divulgasse o roteiro como aberto ao público, porque não era. Ele dirige uma empresa de safáris fotográficos chamada Patagonia Profunda (www.patagoniaprofunda.com).


Depois de pedalar 25 quilômetros em aproximadamente quatro horas e perto das 16:00 percebi que estava em uma roubada maior do que eu imaginava… Faltava ainda cerca de 10 quilômetros para o Rio Sentinela, que eu teria que atravessar quase a nado, com água na cintura ou mais acima. A temperatura caíra dos 16°C para os 6°C e soprava um vento gelado de noroeste, direto do Campo de Gelo Sul. Eu não conseguia me aquecer de jeito nenhum e já estava com toda minha roupa sobre o corpo. Não tinha fogareiro para fazer um chá ou alguma outra coisa quente. Se tivesse que atravessar um rio grande naquelas condições, teria com certeza hipotermia.


Fiquei uns 15 minutos tentando entender a situação e decidir o que fazer. Queria comer algo, mas não sabia o que. Queria continuar, mas não sabia como. A bicicleta havia se tornado um estorvo porque o terreno estava difícil demais para pedalar e eu a empurrava o tempo todo. Nesse ritmo e nessas condições eu precisaria pelo menos do dobro de tempo – 10 dias – para fazer essa pequena volta exploratória que havia me proposto. Concluí que isso poderia comprometer a viagem e decidi voltar, vencido, para El Calafate.


Essa região e essa conexão entre Argentina e Chile têm enorme potencial, mas não é explorada, não é um “paso habilitado”, como se diz por aqui.  Ou seja, não é uma passagem fronteiriça aberta e oficial. Forças politicas impedem que se transforme em um posto de fronteira aberto. Parece que os argentinos temem que o acesso ao Glaciar Perito Moreno a partir do Chile atrapalhe seus negócios. Uma burrice, do meu ponto de vista, porque o acesso a Torres del Paine pela Argentina via El Calafate seria muito mais lucrativo aos argentinos. São apenas cerca de 60 quilômetros daqui até a entrada do parque…


Ficou o desafio suspenso no ar. Ainda vou fazer essa travessia, não sei se nessa viagem ou numa próxima (sempre uma boa desculpa para voltar à Patagônia). Seria genial, um sonho, sair de El Calafate e chegar ao Refugio Lago Dickson, no extremo norte do Parque Nacional Torres del Paine, para um chocolate quente e voltar a El Calafate.



Aos interessados em conhecer mais sobre o projeto, leiam os posts anteriores no blog e visitem os links abaixo para mais informações sobre a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA

Link para a APRESENTAÇÃO
http://clubedaaventurakalapalo.blogspot.com.br/2012/07/transpatagonia-apresentacao.html

Link para o CHECKLIST DE EQUIPAMENTO
http://clubedaaventurakalapalo.blogspot.com.br/2012/09/expedicao-transpatagonia-equipamento.html 

Link para o CRONOGRAMA ESTIMADO
http://clubedaaventurakalapalo.blogspot.com.br/2012/09/cronograma-estimado-expedicao.html

3 respostas para “EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA / EL CALAFATE, ARGENTINA 2”

  1. Anonymous disse:

    Caracas Gui, boa sorte e esperamos o próximo guia dai hem.

  2. Fátima disse:

    Só este trecho que vc fez já deu uma idéia da aventura. Abração!!!!! Fá

  3. Guilherme, a expedição está incrível e os textos ótimos. Grande abraço, boa sorte e feliz aniversário atrasado!

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