EXPEDIÇÃO TRASPATAGÔNIA / BARILOCHE (FINAL)

31 de março de 2013

guilherme EX

Terminei a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA. Cheguei a Bariloche depois de exatos 180 dias de viagem e 5.879,74 quilômetros pedalados, sozinho, acampando a maior parte do tempo, percorrendo a Patagônia e Terra do Fogo. Números que não definem um milionésimo de tudo o que passei e vivi. Agora me sento diante do computador e me obrigo a escrever um texto de conclusão, uma última postagem no blog sobre essa viagem… O texto mais difícil de escrever. Não sei como começar ou terminar. Muito difícil explicar, em conceitos e palavras, emoções ainda confusas para mim…

Nem pensar em fazer um resumo, um balanço final da expedição! Escrever regularmente no blog, descrevendo as etapas passadas, já foi um exercício insano de análise e síntese – e meus textos nunca foram curtos!… Mas, acho que seria suficiente se eu conseguisse explicar a sensação que senti quando subi a mesma rua, aqui em Bariloche, que desci seis meses atrás – antes cheio de incertezas, agora engasgado de experiências…

Não me sinto nem um milímetro mais sábio que antes, mas é inegável que o exercício constante de viver o momento presente, que a expedição exigiu diariamente de mim, deixou um residual de serenidade (pelo menos nesse instante de reflexão). Hoje, o amanhã me preocupa bem menos. Confirmei, pelo suor e pela dor, que todo dia é potencialmente repleto de oportunidades únicas e que tudo o que preciso fazer é acordar cedo todas as manhãs, bem disposto, preferencialmente com um sorriso no rosto, pronto para viver o que o dia trouxer. O resto acontece naturalmente.

Sinceramente, o que fiz – pedalar por seis meses, acampar, caminhar sozinho por bosques e montanhas, carregar comigo tudo o que necessito para viver – não tem nada de fenomenal ou sequer especial. Ou pelo menos não deveria ter. Qualquer um com bom condicionamento físico e tempo disponível faz igual. Mas, mesmo assim, demorei décadas para me atirar numa aventura como essa. Sempre havia infinitos empecilhos e obstáculos à sua execução, como falta de tempo, dinheiro, energia ou companhia…

Penso que o grande atrativo dessa minha aventura – tanto para mim quanto para os amigos, conhecidos e desconhecidos que a acompanharam pela internet – e o que a tornou curiosa e instigante, foi justamente o fato dela despertar um sentimento ambíguo e conflitante, um misto de admiração e aversão, inspiração e culpa. Algo talvez parecido com o que sinto, por exemplo, com relação a quem consegue tomar banho frio em qualquer clima… “Que legal, que coragem!” penso, “gostaria de ser assim também…”, e saio à procura de um chuveiro quente.

O problema é que não somos fiéis às nossas convicções. O mundo é cada vez mais uma vitrine infindável de confortos e distrações. Somos crianças perdidas em um parque de diversões.

Olhando para trás, concluo que a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA tinha que durar pelo menos seis meses. Se durasse menos, eu não conseguiria incorporar as mudanças de hábito que ela impôs. Ela tinha que ser feita toda em bicicleta e ter cerca de 6.000 quilômetros de extensão. Se fosse mais curta, os intervalos de descanso seriam longos e confortáveis demais, possibilitando o retorno de velhos hábitos. Ela tinha que acontecer em contato com a natureza e por uma região isolada, de acesso complicado, castigada por clima imprevisível. É na fronteira com a incerteza que nos aproximamos mais de nossas inseguranças e aprendemos a viver melhor com elas.

A internet e suas ferramentas me possibilitaram, ao longo da viagem, manter contato e até conhecer pessoas. Eu lia com avidez os comentários nas publicações em meu blog. Fiquei encantado com o interesse de tanta gente. Mas, ao mesmo tempo, eu me perguntava por que tantos estranhos se interessavam pela minha aventura…

Minha teoria para toda essa curiosidade alheia é que, um projeto relativamente longo e árduo como a EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA – recheado de pequenos desconfortos como falta de banho, exposição ao tempo, esforço físico, isolamento, solidão, incertezas e, para minha sorte, encontros amistosos com pumas – contrasta muito com o estilo de vida e comum à maioria de nós. Contrasta e seduz. Sinto que existem cada vez mais pessoas como eu por aí, insatisfeitos com a dinâmica da vida em sociedade, onde somos definidos por nossas profissões, vivemos alienados em nosso trabalho ou estudo, estamos cada vez mais distantes de quem realmente somos ou simplesmente ocupados demais para manter na mente a pergunta essencial – quem sou eu?

Não há nada que nos defina melhor que a falta de definição. Quem não se olha no espelho com curiosidade está olhando apenas o vidro.

Gostaria de poder dizer que me sinto realizado com o fim da EXPEDIÇÃO TRANSPATAGÔNIA, mas isso não seria verdade. Existe a sensação de realização, mas não a idéia de “missão cumprida”. Essa viagem não marca um fim, nem um começo, mas apenas mais um capítulo. E esse é meu grande orgulho, aquilo que me traz maior satisfação… Esses seis meses de aventura pela Patagônia não foram uma exceção na minha vida. Essa é minha vida. Uma situação que construí lentamente, passo a passo, pedalada a pedalada.

Volto para casa, para o Brasil, já pensando na próxima aventura, que será escrever um livro sobre esses seis meses no fim do mundo. Um livro que incentive, seduza, inspire e lance mais gente rumo ao desconhecido.

Agradeço a todos a atenção dispensada, o interesse, a preocupação, o carinho, o incentivo. Seria demagogia minha dizer que a opinião dos outros não importa para mim. Na verdade, como todo mundo, busco a admiração e o afeto de quem está à minha volta. Mais ainda daqueles que amo e admiro.

Nesses tempos e internet, de Facebook e conectividade, onde geralmente nos vemos cercados de superficialidade e mesmice, tive a imensa alegria de descobrir que estou cercado de pessoas que comungam comigo o amor pela natureza, a disposição em aceitar desafios, o desejo de aprender e se tornar uma pessoa melhor.

Obrigado a todos! A aventura continua.

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