MAPEAMENTO CARRETERA AUSTRAL 10

18 de dezembro de 2009

Futaleufú, Chile

“Bienvenidos al Futa”, disse o guia de rafting italiano Stefano, mais conhecido como El Tano, logo que colocamos o bote na água. O Futaleufú é um dos rios mais conhecidos e procurados do mundo para descida de corredeira, seja de caiaque ou em botes de rafting. No barco comigo estavam El Tano e mais três estagiários, aprendizes de guia. Nos acompanhavam ainda um caiaque de segurança e um bote de cata-rafting, um catamarã de duas bananas com um remador. Esses dois barcos são medidas de segurança. Se alguém cair do bote eles resgatam. Ou tentam resgatar.

A temporada ainda não começou por isso eu era o único cliente no bote. O grupo estava descendo o rio como parte do treinamento e preparação para a correria que é janeiro e fevereiro. Uma das remadoras comigo na embarcação era justamente a Isabel, que conhecemos em Puerto Fonck(ver post anterior). O rio – o Futa, como é carinhosamente chamado pelos caiaqueiros – também não estava pronto para receber os turistas. Seus 300 m³/s ideais para a prática do rafting comercial estavam um pouco mais “gordos”, com 800 m³/s, segundo El Tano.

Em outras palavras, o rio estava enorme. Boa parte intransitável, Classe VI. No rafting as corredeiras são classificadas em classes de I a V+ (praticáveis). Classe VI é impossível. Apenas o trecho chamado de “ponte a ponte” – da passarela Johnson à ponte do Rio Futaleufú – estava em uso pelas agências locais. As corredeiras nesse trecho que normalmente são Classe IV hoje estavam como Classe V+, no limite do possível.

Aqui vale uns parênteses… Eu tenho um grande respeito por águas caudalosas, que na verdade é um eufemismo para dizer que me borro de medo de corredeiras. Sem exageros. Acho que é um resquício e um quase afogamento de quando eu tinha seis anos de idade e fui retirado do fundo de um lago super frio em Atibaia (interior de São Paulo). Entrar no bote e remar o Futa para mim era mais que um passeio de rafting, era controlar um medo Classe VI.

Entrada, Tiburón, Pillow Rock, Mundaca, Puma, Postre, foram alguns dos nomes das corredeiras que passamos. Em rios clássicos com o Futa cada curva, cada redemoinho, cada pedra escondida costuma ter um nome e alguma história para contar, inclusive algumas trágicas. A corredeira Tiburón, por exemplo, já matou duas pessoas.

El Tano passou os “comandos”, que são as ordens que o guia dá aos remadores, como: “todos remando à frente”, “todos remando para trás”, “direita à frente”, “esquerda para trás” e todas as combinações possíveis, bem como o comando de emergência “todos ao piso”, quando todo mundo se joga no piso do bote e reza para que ele continue flutuando com o fundo para baixo.

Confesso que as explicações do que fazer caso o bote virasse ou alguém caísse à água não me deixaram nada calmo. Quando El Tano disse que se alguém caísse em frente ao Tiburón devia nadar como um louco para a margem direita, nadar como se sua vida dependesse disso, fiz força para não me imaginar em tal situação. Imaginar já era motivo de pânico.

Mas, como estou escrevendo esse blog agora, tudo correu bem. O medo me acompanhou todo o tempo, mas acho que consegui me sobrepor a ele e a sensação final é sempre gratificante e construtiva. Algo como a sensação de bem estar depois de um banho gelado (desculpem a analogia óbvia).

Rafting em rios extremos é uma atividade de equipe. Essa analogia também é óbvia e inclusive sua aplicação em atividades corporativas, chamadas de team building, além de óbvia já se tornou lugar-comum. Essa lição eu não aprendi aqui no Futa. Mas aprendi outra coisa, mais poética, relacionada com o grito de sorte “buena línea”, que todos desejavam uns aos outros.

“Boa linha” é uma referência à linha de navegação que os remadores escolhem no rio. Há linhas suaves e tranqüilas, há linhas turbulentas, linhas que levam o remador de volta para casa feliz e satisfeito, linhas cansativas e frustrantes e, finalmente, linhas que o tragam e podem segurar o remador no rio indefinidamente. Quem escolhe a linha é o remador, mas o rio também participa da decisão.

Desejar “boa linha” para mim tem uma mensagem budista intrínseca, no sentido que coloca cada um como responsável por suas decisões, mas também reconhece que não temos controle algum sobre os resultados de nossas decisões. Só podemos fazer o melhor ao nosso alcance no instante presente e aceitar o que trará a próxima curva do rio. Literalmente nesse caso.

“Boa linha” serve para tudo na vida.

Uma boa linha a você!

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