texto: Guilherme Cavallari
É um enorme privilégio poder dedicar a maior parte do meu tempo para mergulhar na história de uma determinada região, de um povo, de uma cultura, durante o processo de preparação para minhas grandes expedições solitárias de aventura. Tive a oportunidade de ler mais de 100 livros enquanto estudava a história da Patagônia, antes de pedalar 6.000 km em seis meses de lenta exploração do extremo sul do continente americano. O mesmo aconteceu quando decidi cruzar caminhando as Highlands da Escócia, de sul a norte, por 450 km. Repeti o processo quando escolhi fazer uma travessia de bicicleta de mais de 3.600 km, do extremo oeste ao extremo leste da Mongólia, passando pelo extremo norte. Mais recentemente, estudei muito antes de pedalar por quase 4.000 km de Quito a Cusco, cruzando Equador e Peru pelos Andes. Cada uma dessas longas e extenuantes viagens rendeu, na volta, um livro narrando todo o percurso e apresentando também um resumo de toda pesquisa e estudo realizados. Literatura de aventura com profundas raízes na história.
Agora decidi dar uma grande volta por todo o Irã de bicicleta.
Nesse longo e envolvente processo de preparação para a EXPEDIÇÃO TRANSPÉRSIA, que pretendo realizar no segundo semestre de 2025, estou reunindo, sem pressa, uma variada biblioteca que apresente os múltiplos aspectos da vida dos iranianos do passado e do presente. Li, por exemplo, The Persian Expedition, escrito pelo militar grego e historiador Xenofonte (431-354 a.C.), que narra a primeira tentativa dos gregos da antiguidade de conquistarem a Pérsia, como o Irã era chamado até 1935. Li, também, My Uncle Napoleon, romance ficcional lançado em 1973 pelo jornalista e novelista Iraj Pezeshkzad, considerado o mais importante romance iraniano contemporâneo. Também assisti ou reassisti todos os filmes do famoso e premiado cineasta iraniano Abbas Kiarostami (1940-2016), que fez um dos filmes mais belos que já vi na vida, Onde Fica a Casa do Meu Amigo, de 1987. Estou lendo, pela primeira vez, The Arabian Nights, obra conhecida em português como As Mil e Uma Noites, porque grande parte dos contos narrados por Sherazade aconteceram na Pérsia. Decidi ler a icônica tradução do árabe e do persa feita para o inglês, ainda no século XIX, pelo inigualável linguista e explorador britânico Sir Richard Francis Burton (1821-1890), considerado por muitos como o precursor da antropologia. Tudo na tentativa de conseguir uma visão histórica e humana de como é a vida no Irã, de como essa civilização se formou e se mantém.
Nessa empreitada estudei sobre o golpe de Estado sofrido pelo Irã em 1953, promovido pela Grã-Bretanha e executado pelos Estados Unidos, que destituiu de forma violenta o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh, político progressista e democrático que, na tentativa de modernizar o país e melhorar a precária qualidade de vida dos iranianos, cometeu o crime máximo, o pecado mais mortal do capitalismo predatório colonial: a nacionalização do petróleo de seu país. A biografia de Mossadegh, Patriot of Persia, escrita pelo jornalista britânico Christopher de Bellaigue, casado com uma iraniana e fluente em farsi, foi a melhor obra de referência que encontrei sobre o tema.
Já li bastante, embora ainda não o suficiente, sobre a Revolução Islâmica de 1979, liderada pelo aiatolá Khomeini, que recuperou de forma drástica e controvertida a subjugada soberania iraniana, historicamente ameaçada por vizinhos poderosos e potências gananciosas distantes, como árabes, mongóis, russos, soviéticos, britânicos, norte-americanos, israelenses e iraquianos — que um dia já foram persas também. A história do Irã, assim como a história da Pérsia, sempre se apresentou como uma sucessão de ataques e contra-ataques, revoluções e contrarrevoluções, golpes e contragolpes, resultando até hoje na surpreendente manutenção da unidade territorial, da língua, da cultura, da identidade e de uma teimosa resolução de permanecer independente. Num mundo globalizado principalmente pela força e pelo dinheiro, a independência é uma opção onerosa. Ao lado de China, Rússia, Turquia, Japão, Índia e da Europa como origem da Civilização Ocidental, o Irã é mais um raro caso de Estado-civilização — um conceito muito debatido e controverso, que tive a oportunidade de tomar conhecimento recentemente ao ler a obra The Clash of Civilizations, do cientista político norte-americano Samuel P. Huntington. Segundo Huntington, Estados modernos representantes de civilizações são, atualmente, as principais fontes dos conflitos geopolíticos. Algo como um retorno às divisões territoriais a partir de culturas dos milênios anteriores à divisão do mundo entre os blocos capitalista e socialista.
Tive visões interessantes dos caminhos históricos que levaram até a Revolução Islâmica de 1979 e suas consequências oferecidas por diversas obras, como a rara explicação imparcial da renomada professora norte-americana Nikki R. Keddie, que destoa muito do discurso oficial encontrado na imensa maioria de livros escritos por jornalistas famosos, editores de política e chefes de redação de grande jornais. Não coincidentemente, esses grandes nomes do jornalismo, em geral estadunidense ou britânico, sequer falam farsi ou viveram tempo suficiente no Irã. O livro Modern Iran Roots and Results of Revolution foi um achado e tanto. Em outra esteira, está o livro, ou conjunto de livros em quadrinhos, da iraniana residente na França, Marjane Sartrapi, Persépolis, traduzido para o português e lançado pela editora Companhia das Letras. Essa autobiografia pop conta a vida da autora, da infância à fase adulta, em meio à revolução, a guerra contra o Iraque, o exílio voluntário na Europa, conflitos culturais, solidão, questionamentos femininos e todo o universo que compõe ou pode compor a construção de uma personalidade. Marjane se expõe com muita sinceridade e coragem, oferecendo no vácuo de sua trajetória um retrato pulsante de seu país de origem em momentos muito conturbados. Recomendo fortemente as duas obras!
Realmente é um privilégio, já tarde na vida, aos 61 anos de idade, poder mergulhar em projetos que demandam que eu me mantenha fisicamente muito ativo e saudável, estude assuntos complexos com potencial de aumentar meu entendimento do mundo, permita a imersão num rigoroso processo de autoconhecimento e resulte na produção de livros e filmes como legados das minhas pesquisas e andanças. Tudo baseado em valores que considero essenciais, embora cada vez menos valorizados, como verdades silenciosas, vida simples, compromisso com a saúde universal, ecologia profunda, valorização da arte e da cultura e a plenitude da vida sem distinção de espécies ou classes. Não sei se esse conjunto ideológico tem rótulo, mas imagino que seria “eco-comunismo”— a extinção não apenas das classes sociais mas também de qualquer hierarquia entre os todos os seres.
Meu problema é que não fiz faculdade. Não tenho educação acadêmica e formal. Fico às vezes dando voltas sem sair do lugar tentando organizar ideias que há muito já foram pensadas e catalogadas por mentes mais disciplinadas que a minha. Por sorte ou azar, fugi da escola e do Brasil aos 17 anos de idade para ser limpador de chaminés dos Estado Unidos, onde ganhei fluência em inglês. Depois vivi e trabalhei dois anos na Inglaterra, dois anos na Alemanha, sete meses em Israel e seis meses na Itália. Passei três meses perambulando pelo Egito e mais três meses viajando de carona por toda a Turquia. Cruzei a Europa de leste e oeste, de norte a sul e de sul a norte em incontáveis caronas ou em trens, várias vezes, em todas as estações do ano. Sempre trabalhei para sobreviver e só consegui trabalhar para viver bem ao desistir de tentar juntar dinheiro para tentar juntar sabedoria. Jesus Cristo tinha razão ao dizer que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulho do que um rico entrar no Reino de Deus.
No atual périplo de estudos sobre o Irã assisti recentemente a dois filmes que se conectaram para trazer alguma luz sobre a sociedade persa. O primeiro foi Yalda: Uma Noite de Perdão. O segundo foi Um Herói. Ambos vistos em plataformas de streaming disponíveis no Brasil.
Yalda: Uma Noite de Perdão, do diretor iraniano Massoud Bakhshi, lançado em 2019, é baseado em eventos reais e mostra os bastidores de um popular programa de televisão, já extinto, produzido em Teerã já nos anos 2000. Num dos episódios, abordado pelo filme, uma mulher condenada à morte por enforcamento pelo assassinato do próprio marido poderia ter a pena capital revertida em tempo de prisão, ao vivo e em cores, em transmissão nacional. O finado Silvio Santos adoraria a ideia. Para tanto, a assassina teria que conseguir o perdão dos herdeiros da vítima e teria também que pagar uma vultosa indenização, chamada em persa de diya — traduzido como “dinheiro de sangue”. Esse processo é baseado na interpretação do conjunto de leis publicadas no Alcorão, o livro sagrado muçulmano, chamado de sharia, em árabe. Se perdoada, o próprio programa de TV pagaria a indenização aos familiares da vítima com a ajuda de um patrocinador. O objetivo, segundo a interpretação da sharia, é alcançar a reconciliação, o perdão, a restituição moral tanto do criminoso quanto dos familiares da vítima. Arrependimento e perdão de grande audiência em horário nobre. Uma catarse de proporções que nem Aristóteles teria imaginado. Algo que a punição clássica de prisão a perder de vista não oferece de forma efetiva. Obviamente, a visão ocidental da sharia é bastante preconceituosa, fundada em nossas próprias leis e jurisprudências e exemplificada, em grande parte, em outros filmes baseados em eventos verdadeiros, quase todos norte-americanos, onde o assassino é julgado, condenado e executado numa cadeira elétrica ou com injeção letal diante de uma plateia de parentes da vítima preocupados unicamente em vingança. Um espetáculo mais próximo ao coliseu romano.
Aos olhos ocidentais, Yalda: Uma Noite de Perdão se apresenta como sendo lavação de roupa suja em público, constrangimento explícito dos familiares da vítima pelo perdão, humilhação desavergonhada do condenado, exibição vulgar de um tipo de justiça universal e divina que simplesmente não existe na realidade. Aos olhos iranianos imagino que seja uma tentativa sincera de justiça plena, absoluta, filosófica. Depois de assistir ao filme passei dias me perguntando o que nós, no ocidente, tínhamos a oferecer de tão melhor em termos de justiça…
Um Herói, do diretor iraniano Asghar Farhadi, lançado em 2021, ganhou um prêmio no Festival de Cannes. No longa, o protagonista está preso por dívidas e, novamente, se conseguir ser perdoado e indenizar a vítima poderá deixar a prisão depois de cumprida a pena mínima. Mais uma vez, parece haver a necessidade de um humilhante pedido de perdão e de uma magnanimidade desmedida da vítima. De novo, está em jogo a sharia — tão exótica para nós ocidentais quanto o conceito, também oriental, do karma. Nos dois filmes, como invariavelmente acontece na realidade, nada é binário, preto e branco, simplesmente certo ou errado, embora a justiça tente ser racional e pragmática. A vida é sempre mais complexa e complicada que qualquer livro, sagrado ou jurídico. Detalhes e escolhas, superdimensionadas pelas narrativas exacerbadas hoje pela comunicação digital, resultam em outros julgamentos para além da sharia ou de qualquer outra jurisprudência. O protagonista de Um Herói procede por um labirinto de demandas de terceiros, de interesses paralelos, de forças alheias à sua vontade, incapaz de se desvencilhar das amarras morais. Ele parece enredado numa teia de interesses subliminares e secundários, de aparente pouca relevância positiva ou negativa no aspecto moral, mas que resultam invariavelmente em mais obstáculos e mais problemas.
Fica claro nos dois filmes, embora não sirva como julgamento peremptório de nada, uma espécie de sistema de castas iraniana, onde os burocratas detêm enorme poder (além de vastas barbas), onde criminosos condenados estão perpetuamente condenados também à humilhação pública constante, onde o perdão chega a parecer também uma sentença condenatória. O Irã desses filmes lembra uma aldeia onde todos se conhecem. A fofoca parece ser moeda corrente e os personagens fazem malabarismos para se safar de problemas morais insolúveis. Nada muito diferente, no final, de qualquer comunidade, mesmo em bolhas sociais dentro de metrópoles em países ricos. Um lembrete, talvez, de que a boca miúda foi a primeira rede social criada pelo ser humano e que a ideia de “periferia” não faz qualquer sentido. O mundo parece composto de infinitas periferias em constante atrito. Quando relações humanas estão em ação, tudo parece se resumir a interesses pessoais, pequenos mal-entendidos, emoções opacas e interpretações circunstanciais. Mesquinharias.
Essas duas obras reverberaram forte em mim. A autodefinição do Irã como República Islâmica, declarada a partir da revolução de 1979, causou polêmica e revolta no mundo, resultando em imediatos ataques, sanções, bloqueios e toda forma de propaganda negativa vinda do ocidente. Nada difícil de entender, afinal os Estados Unidos perderam muito dinheiro e prestígio internacional com a nacionalização do petróleo iraniano. A escolha da sharia como principal jurisprudência nacional colocou o sistema jurídico iraniano nas mãos de religiosos, teólogos que supostamente seriam os únicos capazes de interpretar as leis dispostas no Alcorão. Mais um crime imperdoável para o ocidente, dessa vez um sacrilégio contra a religião da democracia liberal, supostamente laica.
Aqui cabem parênteses. Minhas preferências políticas pessoais não têm importância real alguma. Sou apenas mais um eleitor. Mas como escrevo e assino esse texto, que espero será lido por alguém, acho relevante que os eventuais leitores saibam como pensa seu autor. Acredito, em teoria, nas vantagens de um Estado laico, embora não acredite que isso seja de fato possível. Os EUA, que sempre se postulam como exemplos para tudo, exigem que testemunhas jurem com a mão na Bíblia dizer “a verdade e nada mais que a verdade, que Deus me ajude”. Vemos isso em incontáveis filmes. Quem se recusa a fazer o juramento, que é uma escolha da testemunha, perde imediatamente credibilidade. Analistas políticos competentes são unânimes em dizer que nenhum candidato declaradamente ateu conseguiria se eleger presidente dos Estados Unidos. Sequer se elegeria governador ou senador. Nos países da União Europeia pululam leis restringindo o uso do hijab e de outros véus muçulmanos, embora freiras católicas sigam cobertas das cabeças aos pés livres de qualquer censura. No Brasil, temos um crucifixo exposto em lugar de destaque no congresso nacional que, apesar da inegável delgadeza e delicadeza, não consegue disfarçar a força sua inequívoca mensagem hegemônica. Já Israel se mostrou menos hipócrita e aprovou, em 2018, uma mudança em sua constituição, passando a se autodenominar Estado Judeu. Interessante não haver muitas críticas a essa escolha por um regime teocrático, enquanto sobram críticas à outra.
A sharia, assim como as leis bíblicas e talmúdicas, insere fortemente a questão moral, impalpável e supostamente de origem divina, na discussão jurídica. Judaísmo, cristianismo e islamismo — as três principais religiões monoteístas no mundo — baseiam seus princípios de justiça em Salomão. Para quem nunca teve aula de religião na escola — aqueles que não estudaram nos tempos da ditadura militar, de 64-85 —, Salomão foi um rei justo, extremamente justo, que não titubearia em cortar com a própria espada um bebê ao meio para chegar à verdade de uma disputa entre duas mães. Uma história seminal nos conceitos de justiça das três religiões: a lei nas mãos do patriarca inabalável e infalível. Deus como substantivo masculino.
Nos dois filmes, os protagonistas eram criminosos confessos. Nos dois filmes eles também eram seres-morais, no sentido de agirem a partir da busca profunda e genuína entre o certo e o errado. Nos dois filmes, seus antagonistas, as vítimas diretas ou indiretas de suas ações criminosas, se mostram também imbuídos de profundo sentimento moral, dolorosamente divididos entre o natural desejo de vingança e a vexação coletiva exigindo o perdão. A novidade que os filmes trazem ao nosso olhar ocidental é tornar a exposição das chagas individuais como método de jurisprudência, como se elas fossem também males coletivos. Em vez dos tradicionais doze jurados, teoricamente ilibados e imparciais, encerrados numa corte hermeticamente isolada de influências externas, toda a população pode julgar ou pelo menos opinar no julgamento. Algo como “a justiça dos bazares” — um anátema para o pensamento social ocidental, porque nos bazares está o povo e o povo não pode ser jurista. O povo é essencialmente inculto e ignorante. Um cinismo que propõe que juristas e demais representantes das classes dominantes não fazem parte do povo e deveriam, portanto, ser os únicos a conseguir interpretar a moralidade e decidir sua melhor aplicação. A mesma lógica, obviamente, aplicada ao melhor uso das riquezas nacionais e internacionais.
Os dois filmes me causaram surpresa. Vislumbrei neles uma sociedade sutilmente diferente num mundo pasteurizado. Digo isso sem qualquer juízo de valor. Nem melhor, nem pior, apenas diferente. Fiquei me perguntando: os crimes individuais da sociedade não refletem exatamente a saúde moral dessa mesma sociedade? Não seria o objetivo ulterior da justiça sua própria extinção enquanto poder externo aos indivíduos? Não é, ou deveria ser, o objetivo de toda religião ou jurisprudência a interiorização e a individualização de seus códigos morais até que eles se tornem automáticos ou naturais? Perguntas retóricas, sem respostas possíveis. Acredito que Estados laicos, assim como teocracias — como as existentes hoje no Irã e em Israel —, deveriam almejar a mesma coisa: justiça. E não existe justiça se não for para todos. A escolha entre Estado laico e teocracia, começo a entender, está diretamente ligada àquilo que mais me atrai nesses projetos de aventura que me levam para muito longe: a autenticidade na diversidade. Acredito no princípio budista de causa e efeito, chamado de karma, que é bem menos místico do que o ocidente conseguiu compreender. Karma mais ou menos como a terceira lei da física proposta por Newton, também conhecida como “Lei da Ação e Reação”. Uma força aplicada gera uma resistência em troca, resultando sempre num confronto de forças de consequências proporcionais. Em última instância: aqui se faz, aqui se paga. A diferença é que nós ocidentais somos imediatistas e os orientais pensam em longo prazo.
Em outras palavras, quando visitei diversos oásis no Egito nunca esperei encontrar bananas. Nos oásis, a fruta doce era sempre a tâmara. Na Escócia tomei whisky e na Sibéria tomei vodca. Um mundo de uma só língua, uma só religião e um único código moral é tão natural quanto um sol quadrado.
Esses filmes, assim como o conjunto de narrativas que tenho estudado sobre a Pérsia e o Irã, parecem às vezes apontar para uma experiência de potencial anacronismo. Como integrar seres-morais na crescente sociedade do cinismo? Será que, de fato, o mundo se resume a um grande mercado? Ainda existe espaço para projetos filosóficos? Tomo muito cuidado para não permitir que meu preconceito ocidental sobre o que é progresso e prosperidade, ou mesmo sobre o que é realidade, turve minha visão e meu julgamento. Algo parece constantemente me dizer, por exemplo, que a justiça não cabe em meras planilhas de Excel. A vivência humana nunca caberá na internet, nem com toda a ajuda da inteligência artificial. O simples e o óbvio parecem existir somente na cabeça dos tecnocratas.
Sigo nos estudos e nos preparativos com o Irã no horizonte. Muita gente me pergunta se o projeto gera insegurança e medo. A resposta inequívoca é: com toda certeza! Sempre sinto medo diante do desconhecido! Só não permito que o medo tenha a última palavra…
Seguimos juntos!
Putz muito bom, como sempre seus escritos abrem nossos pensamentos, como gratidão início do mês farei um café bom sobre nós proporcionar ir mais fundo no que sabemos sobre através de mídias, nem sempre bem intencionada. Outra coisa que reparo nos aventureiros e viajantes e que eles não distorcem os fatos e realidades por onde passam, também ontem assisti um documentário de um casal que percorreu vários países da África de bicicleta, eles falaram que não acharam a tal “fome extrema”, se quiser ver esse te passo o link.
Fiquei impressionado de antemão com a empreitada de Transpérsia. Que Gilgamesh esteja com você. Seguramente vai ser, talvez, uma de suas maiores vivências, tanto pela geografia, quanto pela imersão neste mundo tão diverso da visão ocidental polarizada e julgadora em relação a costumes e relações.
Das fontes citadas, conheço apenas, o filme Onde Fica a Casa do Meu Amigo, de Abbas Kiarostami. Uma doçura de simplicidade, desejo inocente de bem comum e solidariedade. Pode ser que, com meus conhecimentos rudimentares de ideologias, religiosidades, costumes, filosofias e tradições destes povos, eu esteja simplificando este comentário ao post. Mas, vamos lá.
Em um determinado momento da década de 20, Einstein foi questionado por um rabino se acreditava em Deus, ao que ele respondeu:
“eu acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia de tudo o que existe, mas, não num Deus que se preocupa com o destino e as ações da humanidade”.
Spinoza era visceralmente contrário ao conceito de um Deus que representa uma projeção das características humanas sobre a realidade externa. Para ele qualquer religião é um grande campo de medo, rituais vazios, superstições e dogmas rígidos, que não servem para mais nada além de dominar. Ele era judeu holandês e foi excomungado do judaísmo.
Paro por aqui, se não, vai parecer que sou entendido em Espinosa, o que seria uma fraude. Sei fragmentos, apenas.
Resumidamente, eu encararia esta linda viagem por Irã e Iraque com o espírito e a alma abertos ao conhecimento, mas não à aceitação de modelo algum.
Também não acredito, de forma alguma, no modelo hipócrita que vivemos no ocidente, com nossos falsos estados laicos, nossa falsa preocupação com os atrasos do mundo islâmico. Estas preocupações, na verdade, escondem os mais escusos e cínicos interesses geopolíticos (petróleo, mercado, bases militares e etc.). Recordemos da invasão americana do Iraque em 2003 que, alegadamente serviria para por fim a armas de destruição em massa. As tais armas nunca foram encontradas (porque nunca existiram). Porém, a aventura resultou em milhares de mortes e cidades transformadas em ruínas. Morto Saddan Hussein, o novo governo iraquiano contratou empresas de engenharia texanas para a reconstrução do país. Empresas, que dizem, patrocinaram a campanha de George Bush.
De outro lado, não tenho o menor respeito ou admiração pelas teocracias sufocantes que se vive em alguns países da região do oriente médio. Acho um lixo a ideia de dominar uma sociedade com dogmas rígidos, excludentes e perversos, como é o caso da aplicação da tal sharia.
Eu viajaria para ver e entender, mas jamais para aceitar, assim como não aceito outros dogmatismos.
Deus é a mesma coisa que NATUREZA ou a TOTALIDADE. As particularidades são, apenas, modos muito limitados desta mesma NATUREZA.
Obrigado aos amigos Einstein e Espinosa pela colaboração. KKKKK.